sábado, 3 de novembro de 2012

Um político divide os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos



A cultura ocidental e suas religiões assim como a moral judaico-cristã foram temas comuns em suas obras. Nietzsche se apresenta como alvo de muitas críticas na história da filosofia moderna, isto porque, primariamente, há certas dificuldades de entendimento na forma de apresentação das figuras e/ou categorias ao leitor ou estudioso, causando confusões devido principalmente aos paradoxos dos conceitos de realidade ou verdade.
Nietzsche, sem dúvida considera o Cristianismo e o Budismo como "as duas religiões da decadência", embora ele afirme haver uma grande diferença nessas duas concepções. O budismo para Nietzsche "é cem vezes mais realista que o cristianismo". Religiões que aspiram ao Nada, cujos valores dissolveram a mesquinhez histórica. Não obstante, também se auto-intitula ateu:
"Para mim o ateísmo não é nem uma consequência, nem mesmo um fato novo: existe comigo por instinto" (Ecce Homo, pt.II, af.1)
A crítica que Nietzsche faz do idealismo metafísico focaliza as categorias do idealismo e os valores morais que o condicionam, propondo uma outra abordagem: a genealogia dos valores.
Friedrich Nietzsche pretendeu ser o grande "desmascarador" de todos os preconceitos e ilusões do gênero humano, aquele que ousa olhar, sem temor, aquilo que se esconde por trás de valores universalmente aceitos, por trás das grandes e pequenas verdades melhor assentadas, por trás dos ideais que serviram de base para a civilização e nortearam o rumo dos acontecimentos históricos. E assim a moral tradicional, e principalmente esboçada por Kant, a religião e a política não são para ele nada mais que máscaras que escondem uma realidade inquietante e ameaçadora, cuja visão é difícil de suportar. A moral, seja ela kantiana ou hegeliana, e até a catharsis aristotélica são caminhos mais fáceis de serem trilhados para se subtrair à plena visão autêntica da vida.
Nietzsche criticou essa moral que leva à revolta dos indivíduos inferiores, das classes subalternas e escravas contra a classe superior e aristocrática que, por um lado, pela adoção dessa mesma moral, sofre de má consciência e cria a ilusão de que mandar é por si mesmo é adotar essa moral.
A vida só se pode conservar e manter-se através de imbricações incessantes entre os seres vivos, através da luta entre vencidos que gostariam de sair vencedores e vencedores que podem a cada instante ser vencidos e por vezes já se consideram como tais. Neste sentido a vida é vontade de poder ou de domínio ou de potência. Vontade essa que não conhece pausas, e por isso está sempre criando novas máscaras para se esconder do apelo constante e sempre renovado da vida; pois, para Nietzsche, a vida é tudo e tudo se esvai diante da vida humana. Porém as máscaras, segundo ele, tornam a vida mais suportável, ao mesmo tempo em que a deformam, mortificando-a à base de cicuta e, finalmente, ameaçam destruí-la.
Não existe vida média, segundo Nietzsche, entre aceitação da vida e renúncia. Para salvá-la, é mister arrancar-lhe as máscaras e reconhecê-la tal como é: não para sofrê-la ou aceitá-la com resignação, mas para restituir-lhe o seu ritmo exaltante, o seu merismático júbilo.
O homem é um filho do "húmus" e é, portanto, corpo e vontade não somente de sobreviver, mas de vencer. Suas verdadeiras "virtudes" são: o orgulho, a alegria, a saúde, o amor sexual, a inimizade, a veneração, os bons hábitos, a vontade inabalável, a disciplina da intelectualidade superior, a vontade de poder. Mas essas virtudes são privilégios de poucos, e é para esses poucos que a vida é feita. De fato, Nietzsche é contrário a qualquer tipo de igualitarismo e principalmente ao disfarçado legalismo kantiano, que atenta o bom senso através de uma lei inflexível, ou seja, o imperativo categórico: "Proceda em todas as suas ações de modo que a norma de seu proceder possa tornar-se uma lei universal".
Essas críticas se deveram à hostilidade de Nietzsche em face do racionalismo que logo refutou como pura irracionalidade. Para ele, Kant nada mais é do que um fanático da moral, uma tarântula catastrófica.
Friedrich Nietzsche em 1861.
Para Nietzsche o homem é individualidade irredutível, à qual os limites e imposições de uma razão que tolhe a vida permanecem estranhos a ela mesma, à semelhança de máscaras de que pode e deve libertar-se. Em Nietzsche, diferentemente de Kant, o mundo não tem ordem, estrutura, forma e inteligência. Nele as coisas "dançam nos pés do acaso" e somente a arte pode transfigurar a desordem do mundo em beleza e fazer aceitável tudo aquilo que há de problemático e terrível na vida.
Mesmo assim, apesar de todas as diferenças e oposições, deve-se reconhecer uma matriz comum entre Kant e Nietzsche, como que um substrato tácito mas atuante. Essa matriz comum é a alma do romantismo do século XIX com sua ânsia de infinito, com sua revolta contra os limites e condicionamentos do homem. À semelhança de Platão, Nietzsche queria que o governo da humanidade fosse confiado aos filósofos, mas não a filósofos como Platão ou Kant, que ele considerava simples "operários da filosofia".
Na obra nietzschiana, a proclamação de uma nova moral contrapõe-se radicalmente ao anúncio utópico de uma nova humanidade, livre pelo imperativo categórico, como esperançosamente acreditava Kant. Para Nietzsche a liberdade não é mais que a aceitação consciente de um destino necessitante. O homem libertado de qualquer vínculo, senhor de si mesmo e dos outros, o homem desprezador de qualquer verdade estabelecida ou por estabelecer e estar apto para se exprimir a vida, em todos os seus atos - era este não apenas o ideal apontado por Nietzsche para o futuro, mas a realidade que ele mesmo tentava personificar.
Aqui, necessário se faz perceber que, ao que superficialmente se parece, Nietzsche cria e cai em seu próprio Imperativo Categórico, por certo, imperativo este baseado na completa liberdade do ser e ausência de normas. Porém, a liberdade de Nietzsche está entre a aceitação consciente (livre-escolha) de um objetivo moral superior (que transcende a racionalidade do ser humano) e a matéria, a razão material Kantiana. Portanto, a realidade está na escolha consciente entre a moral superior (instinto, vontade do coração) e a moral racional (somatório de valores criados pelo homem). O que reside não nas palavras mas nos sentimentos (amor, musica, etc).
Para Kant a razão que se movimenta no seu âmbito, nos seus limites, faz o homem compreender-se a si mesmo e o dispõe para a libertação. Mas, segundo Nietzsche, trata-se de uma libertação escravizada pela razão, que só faz apertar-lhe os grilhões, enclaustrando a vida humana digna e livre.
Em Nietzsche encontra-se uma filosofia antiteorética à procura de um novo filosofar de caráter libertário, superando as formas limitadoras da tradição que só galgou uma "liberdade humana" baseada no ressentimento e na culpa. Portanto toda a teleologia de Kant de nada serve a Nietzsche: a idéia do sujeito racional, condicionado e limitado é rejeitada violentamente em favor de uma visão filosófica muito mais complexa do homem e da moral.
Nietzsche acreditava que a base racional da moral era uma ilusão e por isso, descartou a noção de homem racional, impregnada pela utópica promessa - mais uma máscara que a razão não-autêntica impôs à vida humana. O mundo para Nietzsche não é ordem e racionalidade, mas desordem e irracionalidade. Seu princípio filosófico não era portanto Deus e razão, mas a vida que atua sem objetivo definido, ao acaso, e por isso se está dissolvendo e transformando-se em um constante devir. A única e verdadeira realidade sem máscaras, para Nietzsche, é a vida humana tomada e corroborada pela vivência do instante.
Nietzsche era um crítico das "idéias modernas", da vida e da cultura moderna, do neo-nacionalismo alemão. Para ele os ideais modernos como democracia, socialismo, igualitarismo, emancipação feminina não eram senão expressões da decadência do "tipo homem". Por estas razões, é por vezes apontado como um precursor da pós-modernidade.
Nietzsche fotografado por Hans Olde no verão de 1899.
A figura de Nietzsche foi particularmente promovida na Alemanha Nazi, tendo sua irmã, simpatizante do regime hitleriano, fomentado esta associação. Como dizia Heidegger, ele próprio nietzschiano, "na Alemanha se era contra ou a favor de Nietzsche".
Todavia, Nietzsche era explicitamente contra o movimento anti-semita, posteriormente promovido por Adolf Hitler e seus partidários. A este respeito pode-se ler a posição do filósofo:
Antes direi no ouvido dos psicólogos, supondo que desejem algum dia estudar de perto o ressentimento: hoje esta planta floresce do modo mais esplêndido entre os anarquistas e anti-semitas, aliás onde sempre floresceu, na sombra, como a violeta, embora com outro cheiro.[6]
… tampouco me agradam esses novos especuladores em idealismo, os anti-semitas, que hoje reviram os olhos de modo cristão-ariano-homem-de-bem, e, através do abuso exasperante do mais barato meio de agitação, a afetação moral, buscam incitar o gado de chifres que há no povo… [6]
Sem dúvida, a obra de Nietzsche sobreviveu muito além da apropriação feita pelo regime nazista. Ainda hoje é um dos filósofos mais estudados e fecundos. Por vários momentos, inclusive, Nietzsche tentou juntar seus amigos e pensadores para que um fosse professor do outro, uma espécie de confraria. Contudo, esta idéia fracassou, e Nietzsche continuou sozinho seus estudos e desenvolvimento de idéias, ajudado apenas por poucos amigos que liam em voz alta seus textos que, nos momentos de crise profunda, ele não conseguia ler.

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