Uma equipa da reportagem do jornal O
Democrata deslocou-se este fim-de-semana ao bairro de Antula Bono,
concretamente em Djogoró (periferias da cidade de Bissau), onde mora uma figura
que transportava guerrilheiros e munições do Partido Africano para a
Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) das zonas libertadas para as matas
da ilha de Komo (Tombali). O nosso jornal falou com o combatente que lamenta em
como a sua contribuição para a libertação do país foi simplesmente ignorada e
esquecida.
Trata-se de Quedelé Na Ritche, um homem de
mais de dois metros de altura, 87 anos de idade, mas com um físico bem-disposto
graças aos produtos naturais que produz para garantir a sua sobrevivência,
segundo a sua explicação.
A ilha de Komo tornou-se num dos
símbolos da luta do PAIGC devido a uma operação ali protagonizada pelas tropas
portuguesas que pretendiam recuperá-la nos primeiros meses de 1964. A batalha
durou 72 dias e é considerada pelos especialistas em guerras africanas e na
história da luta de libertação como a maior batalha das guerras africanas de
Portugal. O PAIGC conseguiu impedir o regresso de militares portugueses à base
estratégica na ilha, graças aos esforços e a coragem dos seus guerrilheiros que
eram abastecidos por Quedelé Na Ricthe que transportava homens e munições numa
canoa a remo da zona libertada para as matas de Komo.
O ex-combatente encontra-se neste
momento a residir em casa de um sobrinho em Djogoró (Bissau). Mas o herói de ilha de Komo reside oficialmente na sua terra natal em Katungo, no sul do país
(Tombali, sector de Komo). A nossa reportagem soube que o papel desempenhado
pelo ex-combatente Na Ritche na batalha com o mesmo nome foi reconhecido pelo
próprio líder da guerra, Amílcar Cabral, que o mandara chamar a Conakri (base
do partido) a fim de lhe prestar uma justa homenagem, em gesto do
reconhecimento pela sua contribuição.
Fui
mobilizado pelo general Nino Vieira, aquando da sua passagem pela nossa aldeia
Quedelé Na Ricthe contou à nossa
reportagem que foi mobilizado para aderir a causa da luta pela independência
pelo falecido Presidente da República, General João Bernardo Vieira “Nino”,
aquando da sua passagem pela sua aldeia natal Katungo. Acrescentou ainda que
Nino se fazia acompanhar do seu colega, Buota Na Fantchamna que aderira muito
cedo a causa da independência.
“Foram o Nino Vieira e o meu colega
Buota Na Fantchamna que me mobilizaram. Incumbiram-me a tarefa de prosseguir
com a mobilização de jovens na nossa aldeia inclusive das outras tabancas que
compõem o sector do Komo”, explicou o ex-combatente.
Na Ritche assegurou ainda que fazia
parte de uma barraca do partido que se encontrava nas matas de Komo e que tinha
como companheiros o comandante Pansau Na Isna, o Buota Na Batcha, bem como
alguns camaradas que foram enviados para aquela zona para ajudar na defesa da
ilha que os portugueses queriam recuperar a todo custo. O nosso entrevistado
contou que o capitão português, a sua chegada à ilha, intensificou os combates
usando caças, helicópteros, bombas de artilharia pesada acompanhados de colunas
de infantaria bem equipados.
Mas os guerrilheiros do partido
conseguiram resistir e protegeram a ilha de Komo do exército português, tendo
sustentado que até os seus próprios colegas reconheceram os seus esforços no
transporte de homens e munições da zona libertada para as matas da ilha sem ser
visto pelas tropas portuguesas que tinha homens e outros meios para controlar o
rio.
“Carreguei material bélico e homens de
canoa a remo para levá-los até as matas da ilha, onde se encontrava a barraca
dos guerrilheiros. Muitas vezes andamos a noite e as vezes durante o dia.
Conhecia a zona muito bem por isso sempre consegui passar bem por “baixo dos
narizes” da tropa portuguesa que nem sequer percebia que ia passar pelo rio”,
contou.
Solicitado a pronunciar-se sobre como
fazia as suas façanhas, se tudo era por um poder sobrenatural ou algo
normalíssimo, o ex-combatente limitou-se a explicar com um sorriso que conhecia
bem o rio, pelo que passava facilmente sem ser descoberto pela tropa
portuguesa.
“Cabral
considera-me de libertador da ilha de Komo”
Quedelé Na Ritche disse não estar
arrependido por ter contribuído para a libertação nacional. Disse que se sente
particularmente satisfeito por tudo o que fez para proteger a ilha de Komo que
os portugueses queriam recuperar devido a sua situação geográfica. Revelou que o próprio Cabral considerava-o como libertador da ilha de Komo por causa do seu
papel no transporte de homens e munições sob intenso bombardeamento.
“Não me sinto arrependido, porque fui a
luta com a convicção de combater para libertar a minha terra do jugo colonial.
O exército português matou o meu colega da infância que também estava na mata a
combater, cortaram-lhe pescoço como se fosse uma galinha. Isso foi uma das
causas que me motivou mais a lutar pela independência, porque achava que uma
vez que nos libertássemos, viveríamos livres na nossa terra”, assegurou.
Lembrou neste particular que a batalha
de ilha de Komo fora uma batalha dura que tanto os guerrilheiros e o próprio exército
português sentiram, porque muita gente perdeu a vida na batalha e houve quem
ficasse deficiente fisicamente devido a ferimentos de bala.
“A Batalha de Komo durou dois meses e
meio de intensos bombardeamentos das forças portuguesas que pretendiam
recuperar a ilha com toda a força. Nós, com a nossa coragem, conseguimos
resistir, apesar dos parcos meios na altura. Conseguimos resistir em nome da
liberdade. A população, sobretudo as mulheres e as crianças, foi a maior vítima
da batalha de ilha de Komo. Como se sabe, é uma ilha e a população decidiu refugiar-se num ilhéu para se proteger. Quem não conseguiu chegar às localidades mais
seguras morreu devido aos bombardeamentos dos tugas”, vincou.
“Fui
esquecido pelo partido como se esqueceu também da ilha de Komo”
O ex-combatente Quedelé Na Ritche
lamentou o facto de nunca ter sido chamado pelo partido para qualquer cerimónia
oficial. Nem sequer as autoridades se lembram dele para as cerimónias
comemorativas nos dias que marcaram a luta de libertação. Sustentou que desde a
independência até a data presente ninguém se lembrou dele, muito menos o
partido que serviu durante a luta de libertação.
“Fui esquecido pelo partido como se
esqueceu também da ilha de Komo, que para ele (partido) não faz parte desta
terra”, disse o ex-combatente visivelmente emocionado.
Na Ritche contou que se sente uma pessoa
abandonada apesar de tudo aquilo que fez no passado para a libertação do país.
Porém afirmou que nada pediu a quem quer que fosse e que deseja apenas que seja
considerado como uma pessoa que deu a sua vida e o seu esforço para a liberdade
da Guiné-Bissau e do seu povo.
Lembrou ainda que chegou a beneficiar de
um apoio do Presidente Nino Vieira que mandou um helicóptero buscar o seu filho
na sua aldeia porque este tinha beneficiado de uma bolsa de estudos para Cuba.
Acrescentou que o seu filho foi estudar, mas infelizmente regressou “doente da
cabeça” (maluco) e que nunca mais conseguiu a total recuperação.
“Sinto-me uma pessoa perdida na vida…
estou com dores no coração até hoje pelo sofrimento por causa da doença do meu
filho. Agradeço e sempre agradecerei o Presidente Nino pelo gesto de amizade,
apesar do destino ter ditado outra saída o que acabou por consumir a nossa
esperança”, lamentou o ex-combatente com voz trémula de dor que lhe consumia o
coração.
Biografia
O ex-combatente Quedelé Na Ritche,
nasceu no dia 15 de Março de 1928, em Katungo no sul do país (sector do Komo).
Integrou na fileira do partido no início do ano 1962, aquando da mobilização de
jovens influentes para a causa da independência.
Foi um dos responsáveis do partido para
a mobilização de jovens na sua vila, bem como nas tabancas que compõem o sector
de ilha de Komo. Não beneficiou de nenhuma formação militar para uma determinada
especialidade. Aprendeu com os seus colegas no início da luta a especialidade
da infantaria. Obteve grande sucesso o que levou para muito longe o seu nome.
Foi quem transportava homens do partido
e munições para as matas. A coragem e as habilidades demonstradas no rio
durante a Batalha de Komo fizeram chegar o seu nome aos ouvidos do líder da
guerra, Amílcar Cabral em Conakri. Foi considerado por Amílcar do “libertador
de Komo” devido o seu desempenho.
//Odemocrata
Rachide Djalo - Este senhor, merecia uma pensão por “Serviços excepcionais e relevantes prestados ao país” por parte do governo de Domingos Simões Pereira. Alias deveria ser tido há muito tempo pelos anteriores governos da Guiné-Bissau
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