sexta-feira, 29 de maio de 2015

“Sem desenvolvimento, a instabilidade volta a instalar-se na Guiné-Bissau”

Por, João Manuel rocha
No Publico

Miguel Trovoada, representante do secretário-geral das Nações Unidas, diz que o país está calmo e “há sinais de que as coisas começam a funcionar”.

A Guiné-Bissau está a dar passos importantes para deixar para trás anos de golpes de Estado e violência política. Mas sem meios o Governo “não poderá ir muito longe”. É o que pensa Miguel Trovoada, que sucedeu a Ramos-Horta como representante do secretário-geral das Nações Unidas.

Antigo primeiro-ministro e Presidente de São Tomé e Príncipe, Trovoada, 78 anos, considera positivos os resultados da mesa-redonda com os doadores em que, em Março, em Bruxelas, foram prometidos mil milhões de euros a um país que no último ano retomou o caminho da democracia. Entende que “não há qualquer ameaça iminente de golpe de Estado”, mas alerta que “se não houver desenvolvimento a instabilidade volta a instalar-se”.

Quando foi nomeado disse que a sua principal tarefa seria contribuir para a “consolidação das instituições democráticas” da Guiné. Essa consolidação está a ser feita?
Acho que sim. As actuais instituições foram constituídas com base nas eleições de há um ano. Funcionam regularmente. O Governo dispõe da legitimidade mais ampla possível na medida em que tem a participação de todos os partidos parlamentares, não tem havido perturbações.

A Guiné de hoje funciona melhor do que aquela que encontrou há nove meses?
A nível institucional funciona, as reformas estão em curso, o país está calmo. Em termos de funcionamento de serviços, há uma melhoria no fornecimento de água, de energia, vejo que as ruas da capital estão a ser reparadas. São sinais de que as coisas começam a funcionar. A Guiné dá a sensação de ter entrado num processo dinâmico. A realização da mesa-redonda em Bruxelas, a 25 de Março, veio trazer um novo impulso. As pessoas pensam que agora há instrumentos para fazer avançar o processo de estabilização, de normalização da vida política e económica.

O que é necessário para que não haja um retrocesso?
O fundamental é que o Governo funcione. Quando falo de Governo refiro-me ao conjunto de instituições de governação, Assembleia, executivo, Presidente, tribunais. Durante muitos anos de conturbações houve uma estagnação e em alguns casos retrocesso. O Governo tem uma ampla legitimidade mas não dispõe de meios. A mesa-redonda foi um sucesso,houve grande mobilização interna, todas as forças vivas da nação participaram;a comunidade internacional respondeu de forma maciça, participaram 70 países,instituições; e o sector privado também esteve representado. Há confiança neste Governo, nestas instituições. Agora o que é preciso é o Governo gerir asexpectativas e os parceiros concretizarem as promessas.

A fase de golpes e assassinatos políticos está definitivamente ultrapassada?
É sempre difícil dizer que está definitivamente ultrapassada porque algumas dinâmicas político-militares continuam. O que posso dizer é que não há aquela ameaça iminente de uma perturbação do tipo golpe de Estado. As reformas começaram. Há várias questões que se prendem com o processo de reformas: fundo de pensões, reconversão dosmilitares, redimensionamento de efectivos. Tudo isso exige meios. Se o Governo não dispuser de meios não poderá ir muito longe. Há vontade de fazer, há passos importantes que começaram a ser dados, agora é necessário que o Governo tenha meios para prosseguir. A estabilidade é fundamental para o desenvolvimento mas senão houver desenvolvimento a instabilidade volta a instalar-se.

Falou do clima de estabilidade e da composição alargada do Governo, que são aspectos importantes. Do seu ponto de visto o diálogo e a reconciliação estão a ser feitos?
Sim. Vai haver uma cerimónia de lançamento do diálogo nacional. Fomos solicitados e manifestámos disponibilidade das Nações Unidas para apoiar esse processo. A comissão de diálogo nacional foi criada. Vamos apoiar e esperamos que daí resulte uma melhoria do relacionamento institucional e do clima social.

Não há o risco de se reavivarem feridas que ainda não sararam? Não houve julgamentos.

O diálogo poderá contribuir para uma resposta a essa questão. Está-se a referir à impunidade. Está-se a referir a uma eventual amnistia. São temas que estão no ar. Eu creio que ninguém é apologista da impunidade. Porque é o maior dos estímulos à criminalidade. Hoje, no estádio actual da Guiné-Bissau, estou convencido que as condições não estão ainda reunidas para que se possa avançar com margem de sucesso no apuramento das responsabilidades e na punição de culpados.

Sem comentários :

Enviar um comentário


COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.